Vai ser curto e rápido porque, se não é lá é melhor demonstração de estilo, é o que dá pra fazer nessa semana que, me avisa o instagram, marca a contagem regressiva de um mês para a Flip. Eu, que sempre fui uma leitora ponta firme, fiquei assim não por uma obstinação laboral inabalável, já que trabalho com livro desde que trabalho, ou por um senso de dever de devorar tendências, avaliar traduções, estar por dentro dos lançamentos. Eu leio porque gosto, porque dá assunto, porque literatura, se não consola, acolhe, e é um jeito de organizar o mundo, já roubei essa frase do Paul Auster ou da Susan Sontag, vá lá. Se tive a sorte inefável de trabalhar com isso, foi porque eu procurei. E aqui a regra do “trabalhe com o que ama e você nunca mais vai amar nada na vida” ainda não entrou em vigência.
Agradeço ao Lucas Verzola, do Beco do Propósito, o meme alcançado. O Lucas é um amigo que com uma regularidade aviltante me traduz em memes. (Aliás, fica aí a dica de leitura: leiam o Beco do Propósito.)
Acontece que eu leio, sempre li, caoticamente. Tem um ensaio lindo do Antônio Cândido que diz que as leituras de uma pessoa são um pouco a obra dela, como se nessa escolha, tantas vezes involuntária, a gente fosse desenhando uma espécie de obra, uma sisteminha aleatório e afetivo do que constrói nosso imaginário. O que eu amo nisso é, justamente, o aleatório, porque o que mais acontece aqui em casa é livro que pula a fila, livro que eu começo a ler porque estava em cima do balcão, livro que chega na portaria e eu rasgo o envelope no elevador e, quando eu vejo, estou sentada na poltrona da sala, gatos miando de fome, bolsa ainda a tiracolo, mas 20 páginas lidas. Eu, que não acredito em nada, acredito que livros encontram a gente, e que há um místico materialismo literário bonito nisso de ser assim, dispersiva e caótica, o que, num arremedo de defesa pessoal, eu poderia botar na conta da liberdade de leitora, sei lá. Mas, cá entre nós, é caos mesmo.
É claro que tem os livros que eu quero muito ler (os tais que passam na frente da fila). Tem os que eu não quero tanto, mas que eu preciso ler. Tem os que eu acho que vai ser bom ler. Tem os que eu dou uma olhada e deixo pra lá. Tem os que me dão raiva. Tem os que eu acho um desperdício (ah, uma editadinha). Tem os que mudam a vida. Tem os que mudam o dia. Tem os que se mudam para minha cabeceira. Tem os que dão ideia, os que fazem rir, os que eu dou de presente, os que eu indico. Tem livro, sempre, pra qualquer coisa.
Desde que comecei A Lábia, há 25 semanas, eu fui ligeiramente organizando minha anarquia festiva e deslumbrada, juntando um livro recém lido com outro lido há décadas, um lançamento fresquinho com uma edição empoeirada, nuns temas que eu inventei e que são guarda-chuvas sólidos o bastante para fazer livros conversarem. Isso gerou uma anarquia secundária, que é em qual categoria encaixar tal livro, já que a maior parte deles cabe em pelo menos umas três. Escolhas, escolhas.
Essa semana, meu sisteminha de balbúrdia literária falhou. Li livros que amei, outros de que gostei, outros que funcionam. Lembrei de outros livros que eu poderia puxar para fazer uma série. Pensei nos temas que conversam com o momento da minha vida (isso acontece, mas não vou entregar tão fácil). Mas eu estou tão imersa na Flip, no ciclo sobre o Leminski que a gente vai fazer no SESC, na ansiedade do que vem daqui a um mês, na programação da Flip+ (tanta coisa bonita), nos pedidos atrasildos de “ainda dá tempo de encaixar fulano?”, na viagem para Paraty na próxima semana, que naufraguei miseravelmente. Aí pensei nessa palavra linda, dispersão, que, descubro num dos livros espalhados aqui, vem do particípio passado do verbo “dispergere” (“espalhar, dissipar"). Portanto, a etimologia de “dispersão” remete à ideia de espalhamento, separação ou disseminação. Achei simpático, primeiro porque outro mantra que vem martelando minha cabeça a ponto de não conseguir me concentrar, é o título do livro do Leminski — Distraídos venceremos. Eu juro que eu estudo, e penso e leio e planejo e concebo e converso. Mas tem uma magiquinha que acontece “nas horas de descuido” que são um pouco o norte de quem faz curadoria. E, depois, porque se A Lábia tem um propósito (desculpem pela palavra mal surrada) é esse de espalhar livros, dissipar leitura. Como diz o maravilhoso maluco Wittgeinstein, “uma gota de gramática dissipando toda uma névoa metafísica”. E vamos nós de etimologia selvagem.
Na Fradique Coutinho, um flagra do meu mapa mental em 2025, espécie de tomografia analógica da cabeça da curadora distraída.
Pois bem. Vai aí um’A Lábia sem dicas de livros. Ando precisada de um balancinho, mas é daqueles que não organizam nada, são só o tempo de um respiro. Semana que vem eu volto, espero que na hora certa, talvez falando dos livros da Flip (vocês querem?), talvez falando de qualquer outro assunto, porque bom mesmo é inventar desculpa para indicar livro.
Servindo bem para servir sempre, botei links em todos os títulos dos livros de que eu falo aqui. Você jamais encontrará um link da Amazon: são todos caminhos para as editoras que fazem esses livros incríveis. Claro que você pode comprar na livraria mais perto da sua casa, compre livros de quem ama os livros, sempre. Se for comprar na Amazon, paciência, entendo, mas pelo menos faça isso com culpa. Pode ser uma militância nanica, mas é a minha militância.
Lábia também é pra dizer "dessa vez não deu", porque é assim a vida dos leitores: tem semana que não dá e, como dizem por aí, tudo bem.
edição falando de livros da flip: sim, pq não?